Repórter entrou no quartel-general da PM só com o uniforme.
No Rio, farda é vendida pela internet sem identificação.
Qualquer pessoa consegue comprar uniformes da Polícia Militar em vários estados e, com a farda, passa a ter privilégios.
Um repórter do Fantástico entrou no quartel-general da Polícia Militar do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, sem mostrar documentos e sem ser convidado, só por portar a farda de policial militar.
Assaltos e falsas blitz têm sido feitas por homens usando uniformes da polícia em várias cidades.
Crimes em Cuiabá, Belo Horizonte e São Paulo foram cometidos por pessoas usando uniformes da polícia.
No Rio Grande do Sul, fabricantes e vendedores da farda são credenciados pela PM. Um decreto estadual exige do lojista que confirme a identificação militar do comprador. Ainda assim, nos dois últimos anos, 25 crimes foram cometidos por bandidos vestidos de policiais.
Em uma loja autorizada, o repórter compra calça, camisa, camiseta, cinto e boné. O funcionário pede a carteira funcional. O repórter diz que não está com os documentos, promete voltar para mostrar a carteira e deixa a loja, fardado. Passeia pelos prédios da polícia gaúcha.
A equipe do Fantástico volta, depois, ao lugar da compra. “Não tem como vender sem autorização. Só vendemos com a carteirinha”, garante a vendedora.
Legislação
Treze estados brasileiros não têm legislação específica sobre o comércio de fardas militares. Santa Catarina é um deles. Não há controle sobre confecção e venda de uniformes.
“Existe um acordo de cavalheiros dos estabelecimentos que vendem esse tipo de uniforme, de farda, no sentido de solicitarem identificação para quem está comprando”, explica o comandante do batalhão, Gilmar Mônego.
Em Criciúma, a identificação não foi pedida ao repórter, que comprou mais do que o traje completo: comprou também uma carteira com o símbolo da PM de Santa Catarina. O risco de bandidos terem acesso ao material chegou a ser comentado na loja.
A vendedora garante que nunca ouviu falar de falsos PMs comprando fardas. “Aqui a gente nunca ouve falar isso”, diz a vendedora.
Dias depois da venda, a mesma vendedora reconhece o erro: “Esses tempos eu acabei vendendo sem saber, sem estar bem orientadinha”.
Em São Paulo, o repórter repetiu em quatro lojas a tentativa de comprar uma farda sem a carteira funcional. Nenhuma vendeu.
“Aqui tem uma lei estadual. Precisamos pegar o RG da pessoa, o batalhão que a pessoa é, o nome e o que comprou”, informa a vendedora.
Rio de Janeiro
Foi no Rio de Janeiro a descoberta mais assustadora: fardas são entregues pelo correio, sem qualquer fiscalização. Pela internet, o repórter entrou numa loja que funciona na zona norte da capital. Diante das muitas ofertas, encomendou camisa, calça, boné e cinto. No dia seguinte, um funcionário da loja telefonou para tirar algumas dúvidas.
"No caso, a calça é 46 e a gandola é G, não é?", pergunta o funcionário. "Isso", responde o repórter. "O nome de guerra?", pergunta o vendedor. "Grizotti", diz o jornalista, que confirma ainda o tipo sanguíneo e diz não querer símbolos de cursos ou brevês. Não é pedida nenhuma identificação militar.
Sem precisar fazer nada além de usar o uniforme, no Rio o repórter entrou em uma escola pública, cheia de crianças. Em frente ao batalhão da PM, teve uma última comprovação do perigo que esse comércio representa: não provocou desconfiança nem entre os próprios policiais.
Entregamos os uniformes aos responsáveis pela Polícia Militar dos três estados.
“Qualquer um pode fabricar e vender uma farda militar do Rio de Janeiro. Não há restrições para compra e venda de fardamento”, confirma o comandante-geral da PM do Rio, Mário Sérgio de Brito Duarte.
Os três comandantes acham que só uma lei nacional pode acabar com a farra da farda.
“Uma legislação federal rigorosa e que atingisse não só esses especializados em vender uniformes, mas todos aqueles vendem pela internet, pelo correio. Em lojas de marca se compra peças de roupa muito parecidas com o uniforme, particularmente os camuflados”, diz o comandante-geral da PM do Rio Grande do Sul, João Carlos Lopes.
O secretário nacional de segurança pública, Ricardo Balestreri, anuncia que em 15 dias vai criar um grupo de estudos sobre o assunto: “Se nós falarmos dos países desenvolvidos, é praticamente impossível que um cidadão comum compre uma roupa de uso exclusivo de polícia ou de Forças Armadas”.
0 comentários:
Postar um comentário