Rio - Quando passou na prova para guarda-vidas do Corpo de Bombeiros, há 6 anos, Alex Sandro Ribeiro, 29 anos, imaginava que teria o emprego dos sonhos: passaria o dia na praia, tomando sol e olhando o mar. O trabalho parecia perfeito, até que em um dia de praia cheia, três meninos se afogaram em Grumari, no Recreio. Sozinho, Alex conseguiu salvar dois, mas o terceiro morreu. O trauma fez com que o militar perdesse todos os pelos do corpo e ele foi afastado do posto. Ele não foi o único a sofrer as consequências do estresse do trabalho. Comandante do 2º Grupamento Marítimo (GMar), na Barra da Tijuca, Ricardo Nunes, descobriu que 250 homens de seu grupamento — 55% do efetivo — têm distúrbios psicológicos provocados por estresse de trabalho e dependência química. A solução foi pedir ajuda ao Comando-Geral que montou, há um mês, o primeiro núcleo de atendimento psicológico em um grupamento da corporação.
Só no primeiro dia, a tenente psicóloga Maria Succo atendeu 20 militares e lotou a agenda até a semana seguinte. Ela foca em quatro pilares: estresse de trabalho (Síndrome de Burnout), estresse pós-traumático, dependência química e urgências e desastres, voltado para os bombeiros que atuam nessa área e, assim como os guarda-vidas, estão com problemas psicológicos. “Eles são vibrantes, por isso custam a perceber que o estresse rotineiro atingiu um nível preocupante. Eles estão em um nível de estresse que precisa de ajuda e até afastamento”, afirmou a psicóloga.
O descontrole dos guarda-vidas despertou a preocupação do coronel Ricardo Nunes após o último feriado de São Sebastião, dia 20 de janeiro. Foram 1.100 atendimentos e, ao fim do dia, alguns militares não conseguiram nem voltar para casa. A maioria passou a noite acordada, tremendo e ouvindo pedidos de socorro. O próprio Nunes sofreu os sintomas. “Havia 40 afogados ao mesmo tempo, em cinco pontos diferentes da praia. Cada guarda-vidas fez, pelo menos, 60 atendimentos naquele dia”, contabiliza.
As alucinações também perturbaram Alex. O corpo do menino que ele não conseguiu salvar só apareceu no dia seguinte, junto com os problemas psicológicos do guarda-vidas. “Via aquele menino pedindo socorro em todos os cantos da minha casa. Aquela lembrança começou a me perseguir. Os pelos do meu corpo começaram a cair, só aí percebi que estava realmente doente”, disse. Alex está afastado pela psiquiatria há três anos, mas não desistiu de voltar a salvar vidas. “Sou filho de pescador, criado no mar. Não sei e não quero fazer outra coisa da minha vida, mas descobri que esse trabalho não é tão perfeito assim”, concluiu.
Segundo Nunes, o surto de estresse que acometeu o grupamento naquele feriado serve para desfazer a ideia de que o dia a dia desses profissionais é moleza. “Eles passam o dia inteiro de sunga, chinelo e camiseta, olhando o horizonte. Mas ao contrário do que muitos pensam, não é um trabalho de lazer, mas de tensão permanente. Bastam segundos para um banhista morrer afogado”, esclarece o coronel. Ele explica que além de afogamentos, eles atendem vítimas de problemas cardíacos, crianças perdidas, pessoas queimadas por águas-vivas, excesso de bebida alcoólica, brigas e até acidentes de trânsito. “Uma mulher perdeu os quatro filhos e demorou cinco horas para ela encontrá-los. E os bombeiros estavam procurando-os no mar”, disse.
Este fim de semana promete ser estressantes para os salva-vidas. A previsão é de sol, com pancadas de chuvas só no fim da tarde. Mas o mar não vai ajudar: a ressaca deve piorar, com ondas de até três metros, que podem ser perigosas até para surfistas.
Calmantes e álcool, refúgios para a tensão
A dependência química é o foco dos psicólogos do Corpo de Bombeiros há anos. Mas apenas uma pequena parcela dos militares — os que podem financiar os tratamentos — se livram do vício. Segundo o comandante Ricardo Nunes, a dependência que acomete os bombeiros não se limita a maconha ou cocaína: “Alguns recorrem a calmantes e ao álcool para aliviar um dia estressante de trabalho ou um salvamento malsucedido. Por isso o número de dependentes é maior do que se imagina”.
Primeiro colocado na turma de 1997, João (nome fictício) teve a oportunidade de se livrar do vício de cocaína e hoje passa a maior parte do dia incentivando colegas a mergulhar na recuperação. “A dependência nunca me impediu de salvar uma vida, mas meu corpo começou a dar sinais de cansaço. Eu sei o que eles estão passando, por isso não meço esforço para ajudar”, diz João, que, depois de um ano e meio limpo, se prepara para abrir filial da clínica onde se tratou para ajudar outros bombeiros.
Fonte:http://odia.terra.com.br/portal/rio/html/2009/4/guarda_vidas_do_rio_pedem_socorro_a_psicologos_5716.html
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