"Em Natal hoje em dia mata-se à vontade. Em todos os bairros, a qualquer horário, por qualquer motivo. A população estremece, a polícia corre atrás com as mãos na cabeça e os assassinatos se sucedem. Em grande parte dos casos, e isso não se discute, o motivo é o envolvimento de homicida e vítima com o tráfico de drogas. Geralmente, o traficante extermina, sem titubear, o usuário que lhe deve há algum tempo. Isso pune o devedor e serve como exemplo para os outros viciados. Mas para um dos promotores de Justiça mais respeitados do Estado, não é só esse o motivo do aumento de homicídios no RN. Edevaldo Barbosa denuncia o que muitos da polícia sabem, mas ninguém tem peito para divulgar: a ação de novos grupos de extermínio formados por policiais.
“Hoje não é um grupo só. Tem mais de um grupo atuando e o filme é sempre o mesmo: policiais que se juntam com traficantes e aí começam a matar, a extorquir, a cobrar pedágio, a eliminar os concorrentes”, diz o promotor. Ele compara os dias de hoje com os que precederam a prisão do grupo liderado pelo ex-PM João Maria da Costa Peixoto, o “João Grandão”, em 2005.
Experiência - Edevaldo Barbosa é coordenador do Gaerco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) e tem vasta experiência na investigação criminal. Os longos anos trabalhando na área de inteligência credencia o promotor a falar do assunto de forma tão embasada, contundente e destemida. E a bem da verdade, ele não concorda muito com a terminologia “grupo de extermínio”, para os bandos que atuam hoje em dia.“Na verdade são quadrilhas que têm seus interesses ilícitos, espúrios, como manter o tráfico de drogas, extorquir pessoas e matam para a manutenção dos seus crimes. Porque o grupo de extermínio é aquele que mata por uma causa ideológica, o “matar” é o objetivo final. Neste outro não”.
Barbosa explica ainda que os grupos de hoje são mais aprimorados que o do passado, já que não comete os mesmos erros. Ele não relata a participação de membros do grupo de antigamente no atual, mas atesta a participação de policiais, sem querer especificar se são civis ou militares. “Eu posso lhe garantir que você tem grupos hoje formados, fazendo a mesma coisa que eles faziam. Com a presença de policiais.
O coordenador do Gaerco vai além, e culpa o poder público pela escalada da violência, já que considera as corregedorias de polícia inoperantes, por não punirem os policiais criminosos. Ele critica ainda a falta de investigação efetiva dos casos, o que acaba fortalecendo a impunidade. “Não vamos ficar batendo em cachorro morto, mas é notório hoje que a polícia não investiga. Você conta nos dedos os casos em que houve um crime e a investigação foi levada a cabo e se chegou a um culpado, com provas”.
O promotor estima que somente cinco por cento dos homicídios têm o inquérito concluído e o autor apontado. E classifica a investigação potiguar como de “quinto mundo”, citando o Instituto Técnico e Científico (Itep) como exemplo. “É inoperante, que produz muito pouco, assoberbado de serviço”, relata.
Para completar, o promotor aponta o sistema judiciário como colaborador do alto número de homicídios na capital. Segundo ele, a Justiça é excessivamente garantista para quem comete delitos no país. E lembra que o sistema carcerário contabiliza cerca de 90% dos homens como reincidentes e cita como exemplo um acusado que responde a catorze processos criminais no estado, e que sempre que é preso, consegue sair com facilidade. “Ou seja, no frigir dos ovos, cometer crime se tornou uma atividade de baixo risco. Mas isso não significa que a gente tem que se incomodar” completou o promotor.
PM adquire 100 pistolas Taser
Um dos recursos que a Polícia Militar acaba de adquirir, e que também deve ser usado no combate ao crime é utilizado pelas melhores polícias do mundo. E tem a capacidade de deixar um indivíduo completamente imóvel por cerca de cinco segundos. A pistola Taser dispara eletrodos que aplicam uma descarga elétrica capaz de interromper a comunicação do cérebro com os músculos.
Ao todo são cem pistolas que acabam de chegar ao estado. Sete policiais militares estiveram em Brasília e fizeram um curso específico para operar o equipamento, e servirão como multiplicadores, repassando o conhecimento aos outros PMs. Em cerca de cem dias as Taser devem estar nas ruas da capital. Pelo menos uma em cada viatura, nesta etapa inicial.
A pistola emite de quinze a vinte descargas elétricas pulsativas por segundo e o disparo pode ser interrompido pelo policial a qualquer momento. Os eletrodos atingem o alvo carregados com 5 mil volts, mas não mata por causa da baixa amperagem. A descarga age direto no sistema nervoso central, causando uma Incapacitação NeuroMuscular. A pessoa atingida não desmaia, continua vendo, ouvindo e pensando, mas não consegue controlar os músculos.
Cada pistola custou R$ 3.241,00 e é dotada de mira laser, funcionando com pilhas. Para que não haja um exagero, banalização ou descontrole no uso das Taser, cada uma é dotada de um sistema que permite registrar a data, a hora, o minuto e o segundo de cada disparo. As informações são obtidas com um simples “plugar” da pistola em um computador. O uso da arma é polêmico e o comandante da PM, coronel Marcondes Rodrigues, garante que não há registro comprovado de morte causado pela pistola. Mas na internet são encontrados diversos relatos contrários.
Número de mortes é crescente
Em 2006, foram registrados na capital e nas cidades conurbadas 130 assassinatos no primeiro trimestre. Já nos três primeiros meses deste ano, a estatística chegou à marca de 169 pessoas assassinadas.
Esta semana, a TRIBUNA DO NORTE fez a mesma coisa que já havia sido feito em uma reportagem publicada em 14 de maio de 2006. Uma pesquisa nos registros do Instituto Técnico e Científico de Polícia, com o objetivo de saber quantas pessoas haviam sido assassinadas no período. As constantes mortes ocorridas diariamente na capital justificam o breve estudo pelas páginas do jornal.
O que chama a atenção é que a reportagem de três anos atrás já alardeava os 130 homicídios como um número impressionante, com perspectiva de uma estatística recorde para a Grande Natal. De fato, naquela época o natalense começava a se assustar com os crimes de morte cada vez mais frequentes, nos quatro cantos da capital.
Em janeiro deste ano, por exemplo, foram registrados 58 assassinatos na Grande Natal, um número mais aproximado da realidade – já cruel – da cidade. No mês de fevereiro, com três dias a menos, o número ficou em 41. Os 169 homicídios ocorridos no primeiro trimestre, demonstram bem a forma como o natalense tem se sentido: de mãos atadas, impotente, vendo diante dos seus olhos o crescimento sem controle da violência.
O aumento no número de homicídios em 30% em apenas três anos leva a uma outra questão importante. Talvez seja por conta de estatísticas como essa é que população não tenha só medo dos dias de hoje. Mas talvez muito mais, da violência dos anos que ainda virão. Por todos os bairros o medo é visível no rosto das pessoas e no comportamento. A população tenta a todo custo de trancar em casa e se munir de equipamentos de segurança, seja em casa ou nos carros.
Entrevista: Marcondes Pinheiro - Coronel
A Polícia vê esse aumento de homicídios, da criminalidade? O que está acontecendo?
Eu digo a você que a nossa polícia está preparada para o combate à criminalidade. E o grande mal da incidência dos crimes de hoje que assolam o país é a droga. É o uso excessivo da droga. É uma droga maléfica que está assolando o nosso país, que é o crack. É uma droga de fácil aquisição. É a droga que causa maior dependência química, que vicia em oito segundos.
Qual é a solução?Só a repressão a gente sabe que não resolve. Porque se você apreende trezentos quilos, na próxima serão mil. E quando apreenderem mil a próxima serão três mil. Porque eu digo que a repressão não resolve? Porque o Brasil faz fronteira com os três maiores produtores de cocaína do mundo: Colômbia, Peru e Bolívia. E com o segundo maior produtor de maconha do mundo que é o Paraguai. O caminho é a prevenção. Mostrando ao jovem, ao adolescente o que é a droga, os efeitos e mostrando à família que quando verificar que o filho deu o primeiro passo, olhe no espelho e diga que ela é a responsável, porque deu espaço para o traficante. O Proerd (programa da PM com crianças e jovens) mostra isso. O que você tem que fazer é acabar com o usuário, para que o traficante não tenha o que vender. Grande parte desse homicídios é de traficante que mata os usuários que têm dívidas. O viciado faz de tudo para fumar, e se ele estiver devendo dez reais, e não pagar, o traficante mata.
Quais são os investimentos preparados?Hoje nós estamos com cinco mil policiais fazendo cursos técnicos à distância. Para isso estamos dando a cada batalhão um telecentro, que é um laboratório de informática. Isso para proporcionar ao policial essa oportunidade de se qualificar usando a internet. Eles ganham a Bolsa-Formação, que é um programa dos governos federal e estadual.
E no que diz respeito a equipamentos?
O governo do Estado também demonstra preocupação fazendo aquisição de equipamentos, como as pistolas não-letais. Conseguimos graças a Deus ultrapassar a burocracia e destravar a locação de 300 viaturas.
Somente para a PM?Para a PM ficarão cerca de 200 viaturas. E o que eu ganho com a locação? A auto-estima do policial. Não existe a possibilidade de o policial estar num carro sem contar com a confortabilidade. A empresa que ganhou tem a obrigação de, com qualquer choque ou colisão, repor o carro em duas horas, no mesmo estado em que estava. Além disso, estamos fazendo aquisição de trinta caminhonetes 4x4 que vão se destinar para o interior do estado, bem como 89 motocicletas, que já estão na nossa cidade e vão para o emplacamento. Creio que em dez dias elas já estarão a disposição da população. Adquirimos ainda armas letais como pistolas de calibre .40, coletes balísticos, munição farta.
E sobre o incremento do efetivo?Temos também chegando, a partir do dia 27 de abril, 670 homens que iniciarão o curso de formação. Não resolve o nosso problema, nem o do Brasil. É um alento? É. Precisa de mais? Precisa. Mas a gente precisa ter a preocupação com a formação, com a qualificação. Dia 27 eles iniciam a formação, que tem a durabilidade de seis meses. A nossa previsão é de que em novembro eles já estejam a disposição da sociedade."
FONTE: http://tribunadonorte.com.br/noticias/105580.htmlTribuna do Norte
http://www.tribunadonorte.com.
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