A proposta de doar revólveres calibre 38, já obsoletos, da Polícia
Militar de São Paulo ‘viajou’ até o Nordeste e Norte e do País, mas
voltou sem aceitação. O que foi anunciado pelo governo paulista, em
abril de 2012, como uma forma de ajudar Estados com forças de seguranças
sucateadas foi visto pelos outros governos como um movimento na
contramão da modernização dos armamentos das polícias militares. Até o
momento, ninguém se mostrou interessado em receber essas armas e gastar
dinheiro para fazer adaptações.
Os motivos para a recusa dos “três oitão” também são os mesmos que
fizeram a polícia de São Paulo se mover no sentido da substituí-los:
esse tipo de arma tem menor capacidade de tiros, é pouco veloz e não tem
a precisão de uma pistola .40, atualmente utilizada pela PM paulista.
Um disparo de revólver calibre 38, segundo especialistas, tem também
muito mais chances de perfurar o alvo e ainda atingir inocentes ao
redor.
A Polícia Militar de São Paulo estimava, inicialmente, que 37.000
armas seriam doadas, entre pistolas e revólveres. O número realmente
doado, que “não pode ser divulgado por questões estratégicas”, é
inferior porque os Estados acabaram demonstrando interesse em adquirir
apenas pistolas.
Por exigências do Exército Brasileiro, que realiza o controle do
armamento e munição no País, é necessário gastar dinheiro para a doação
de cada arma. Além de arcar com os custo do transporte dela, o Estado
que recebe o armamento precisa apagar o brasão de identificação da PM
paulista e imprimir o brasão da Polícia Militar local.
“Por essa razão, alguns Estados acabaram não tendo interesse no
recebimento dos revólveres, que possuem uma capacidade de tiros inferior
à de uma pistola, um valor de mercado inferior e um custos de
transferência”.
“Presente de grego”
A transferência anunciada pelo governador Geraldo Alckmin dos “três
oitões” para Estados do Norte e Nordeste com alguns dos maiores índices
de violência do País poderia causar um efeito contrário do esperado, na
avaliação do presidente do Viva Rio, Flávio Rangel. A oferta de equipar
as polícias do Nordeste e Norte é “presente de grego”, e poderia
“aumentar ainda mais os índices de criminalidade”.
“Estão oferecendo um presente de grego, porque a impressão é de que
vai aumentar a segurança, mas tenho certeza de que vai aumentar ainda
mais o número de homicídios de inocentes. Segundo as últimas
estatísticas [baseadas em dados do SUS], é no Norte e no Nordeste onde
os homicídios por armas de fogo mais tem aumentado, uma média de 40%. O
contexto de truculência na abordagem e no despreparo dos soldados, tão
comum nessas regiões, pode fazer com que a utilização do revólver 38
cause ainda mais mortes”.
Já na avaliação do professor da UERJ (Universidade Federal do Rio de
Janeiro), Ignácio Cano, aceitar a doação dos “três oitão” provocaria
como efeito colateral um custo político. Isso porque, segundo ele,
poderia gerar forte revolta dos policiais, que ficariam contrariados em
utilizar um armamento ultrapassado.
“Ninguém vai ser obrigado a aceitar. Mas pode soar arrogante o Estado
de São Paulo oferecer armas obsoletas sem ter feito uma sondagem de
interesse de outros Estados. [...] Politicamente, acho que pode ser
complicado, mas só cada um dos Estados pode decidir se aceita ou não”.
A reportagem do R7 entrou em contato com as secretarias da Segurança
Pública do Maranhão, Paraíba, Rio Grande do Norte, Acre, Tocantins,
Rondônia e Piauí. Os órgãos estaduais disseram que já firmaram acordo
com o governo paulista para receber pistolas em vez de revólveres
calibre 38. O Rio Grande do Norte afirmou que irá ganhar 5.000 armas
modelo PT 100. Já o comandante da Polícia Militar de Alagoas, Luciano
Antônio da Silva, disse que a corporação ganhará de São Paulo 2.000
pistolas modelo PT 24/7, o mesmo utilizada pela PM paulista (veja o
infográfico).
Ao contrário do que afirma o comando de Alagoas, a PM paulista disse
que não doará nenhuma pistola do modelo que utiliza no policiamento.
Policiais dividem armas
O armamento das forças de segurança do País é ainda bastante desigual
e uma doação poderia ser uma medida paliativa enquanto recursos
estaduais e federais não são viabilizados, na opinião da presidente do
Instituto Sou da Paz, Melina Risso.
Para ela, a transferência pode ser benéfica para regiões onde
policiais militares são obrigados a dividir uma mesma arma com vários
colegas, “uma realidade ainda bastante evidente”. Um revólver ou uma
pistola para cada um poderia, inclusive, auxiliar na identificação da
autoria dos disparos.
“Muitas vezes, você pode ajudar a equipar e trazer às polícias [do
Norte e Nordeste] um mínimo de patamar de trabalho. Não colocaria, a
princípio, que essa ação [de transferência de armas] é inadequada e que
não deveria acontecer. Às vezes, a realidade se impõe muito mais do que
um processo ideal.
Não dá para dizer o que seria indicado, se ainda não
se conseguiu nem a universalização dos equipamentos”.
Rangel, porém, rebate, e diz que “fiscalização não existe no Norte e
no Nordeste” e o uso das pistolas por policiais despreparados pode
aumentar os crimes cometidos por armas de fogo.
“O revólver exige bastante treinamento, não é a mesma coisa que usar
uma pistola. Como oferecer armas desse modelo a uma polícia que não
garante a capacitação dos seus profissionais? Seja pistolas ou
revólveres, são armamentos letais, inseridos em uma cultura de
truculência e sem o preparo para utilizá-las”.
O diretor da ONG Viva Rio ainda alerta para a possibilidade de, com a
transferência, armamentos irem parar nas mãos de criminosos.
“Geralmente, elas são exportadas mal e parcamente e a própria polícia
começa a vender armamento. O banditismo vai ficar feliz em comprar
essas armas de policiais corruptos. No fundo, a transferência de armas é
uma medida que só seria benéfica se fosse acompanhada por outro
conjunto de medidas, como treinamento especial e fiscalização efetiva”.
O Estado de São Paulo não arcará com nenhum custo de transferência,
informou a assessoria de imprensa da PM. A doação já foi autorizada pelo
Exército Brasileiro e será formalizada por meio de decreto estadual,
ainda não publicado. Ainda de acordo com a Polícia Militar paulista, os
revólveres recusados pelos governos do Norte e Nordeste não serão
destruídos por ainda funcionarem bem e podem ter utilizado em atividades
secundárias da corporação.
Por
Tribuna Hoje