24 abril 2012

O direito do voto dos policiais militares em serviço, uma omissão inconstitucional do Tribunal Superior Eleitoral - TSE

A partir de hoje, 19.04.2012 o Supremo Tribunal Federal tem novo presidente, o Ministro Ayres Britto. Em seu discurso de posse, defendeu um pacto “pró Constituição.  Por outro lado, em saudação, Presidente do Conselho Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, afirmou que o novo presidente “carrega nas veias o DNA das liberdades, das garantias fundamentais dos cidadãos”.
Terça-feira (16/04) a Associação dos  Praças da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte (ASPRA/RN) ingressou com petição no STF, solicitando prioridade e urgência no julgamento do Mandado de Injunção - MI 2541 (1), tendo como relator o Ministro Toffoli.
O referido MI 2541 aborda a questão da omissão do TSE – Tribunal Superior Eleitoral na concretização do voto para expressiva parcela dos policiais militares em serviço, no dia das eleições.
Em muitos estados há grande deslocamento de policiais militares para outros municípios visando assegurar a segurança das eleições que, paradoxalmente, eles mesmos não participarão uma vez que ao defender interesses e direitos de terceiros, estão impedidos de exercer seu próprio direito.  Esses policiais não votam por estarem ausentes de seu domicilio eleitoral. Todavia, mesmo entre aqueles policiais militares que ficam em seu próprio município, no dia das eleições, boa parte não conseguirá votar pelas mais diversas razões (estarem em deslocamento constante, seções eleitorais longe de seu posto de serviço, impossibilidade de se ausentarem do posto).
Tudo por conta da inércia do TSE - Tribunal Superior Eleitoral, que acomodou-se  com o advento da urna eletrônica, como se essa fosse uma panaceia,  não oferecendo outro excelente meio legítimo para o exercício do ato de votar, que continua existindo no ordenamento jurídico brasileiro, embora convenientemente esquecida: a cédula eleitoral (art. 59 e 82 da Lei das Eleições).
É como se a cédula eleitoral não existisse. Trata-se de omissão por mera conveniência de ordem técnica e estratégia de marketing eleitoral, eis que impressiona a imprensa mundial o fato da apuração do resultado das eleições brasileiras acontecerem poucas horas após o encerramento dessas, conforme pode ser lido no site do próprio TSE, logo após as eleições de 2008, em “A justiça eleitoral no Brasil – votar é um privilégio”:
A ousadia resultou em números que impressionam: nas eleições de 2008, mais de 130 milhões de eleitores usaram 480 mil urnas eletrônicas. Em apenas três horas após o fim da votação estavam definidos os vitoriosos entre os 379,5 mil candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador em todos os 5.560 municípios brasileiros. Um feito de dimensão mundial.”
Com o uso da cédula eleitoral, em alguns casos (eleitores em trânsito ou policiais militares em serviço), a apuração se demoraria um pouco mais, “tirando o brilho” da grande conquista brasileira, a urna eletrônica que,  por sua vez, exclui de milhões de eleitores (que apenas apresentaram justificativa eleitoral) por se encontrarem em trânsito (8,04 milhões, nas eleições de 2006).
Vale lembrar que trata-se de numero que pode desequilibrar qualquer eleição no mundo, sendo que a eventual inclusão desses eleitores no processo eleitoral implicará em importantes consequências no calculo do coeficiente eleitoral (que se elevaria)  e partidário (ficaria mais rigoroso).
O MI 2541 foi impetrado em 15.03.2010, tendo sido pedido liminar, negada (2) pelo Ministro Toffoli, sob a alegação de que a jurisprudência do STF não admite liminar em mandado de injunção. Apesar do pedido posterior de reconsideração, o STF silenciou a respeito.
Foi infeliz a decisão preliminar do Ministro Toffoli, pois ele teve a chance de iniciar movimento para atualizar a jurisprudência do STF nesse sentido, eis que o assunto envolve direitos políticos e de cidadania que, conforme a Constituição, tem aplicação imediata (art. 5º, § 1º). Dessa forma, a concessão da liminar estaria em conformidade com a Constituição, cuja guarda compete à Suprema Corte.
São vários os dispositivos da Constituição violados em razão da omissão do TSE que, ao contrário, deveria estar promovendo a defesa do direito do voto dos cidadãos policiais militares, da mesma zelosa forma com que fez em relação ao voto dos presos, cidadãos que se encontram nessa situação por violarem a lei.  Como diretamente violados, temos:  art. 1º, Parágrafo único; art. 14, caput e § 1º, I; art. 60, § 4º, II. Podemos considerar também o art. 1º, II. 
As únicas ressalvas e exceções para o voto estão consignadas na Carta Magna: art. 14, § 1º, II (analfabetos, maiores de 70 anos) e art. 5º, XLVI, “e” (suspenção/interdição de direitos). Não consta que a circunstância do cidadão policial militar fora de seu domicilio eleitoral, a serviço da própria (IN) justiça eleitoral, seja uma dessas exceções, sendo desnecessário ratificar que somente a Constituição pode impor restrições no campo dos direitos políticos e de cidadania, lembrando, entretanto, o comando plasmado art. 60, § 4º, II.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é farta no sentido de que no campo dos direitos de cidadania, é impossível fazer qualquer tipo de restrição. Confira-se decisão do Ministro Marco Aurélio, do STF, no Recurso Extraordinário nº 128.518-4, a respeito da interpretação de normas constitucionais que envolvem direitos políticos:
"É de sabença geral que não cabe imprimir a texto constitucional assegurador de direitos, especialmente políticos, interpretação estrita, o que se dirá quanto à restrita. A aplicação respectiva há que se fazer tal como previsto no preceito...” Mais adiante o Ministro, em magistral lição, complementa com “tanto vulnera a lei aquele que exclui do campo de aplicação hipótese não contemplada, como o que incluiu exigência não prevista” (Marco Aurélio, RE 128.518-4-DF).
A ofensa ao direito de votar dos policiais militares por conta da omissão do TSE também viola a Convenção Americana de Direitos Humanos, em seus arts. 1º, 2º e art. 23, "1", "a" e "b".
Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos
“1. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita a sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
Artigo 2º - Dever de adotar disposições de direito interno
Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1º ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.
(...)
Artigo 23º - Direitos políticos
1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:
a) de participar na direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos;
b) de votar e ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores;
Antevendo “arranjos e artifícios” mais ou menos comuns em Estados antidemocráticos que, sob os mais diversos pretextos limitam direitos, a Convenção trouxe o art. 29, que trata das normas de interpretação, proibindo a supressão de direitos e liberdades, por conta desses “artifícios”:
Artigo 29º - Normas de interpretação
Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de:
a) permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista;
b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados;
Como o Brasil é signatário da Convenção, corre o risco de ser denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, nos termos do art. 44 da Convenção:
“Artigo 44º. Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta
Convenção
por um Estado Parte.”
No caso concreto, o “artificio” (mera desculpa) utilizado pelo TSE é que a urna eletrônica não estaria pronta para acolher o denominado voto "em transito", por conta do teor de parte do texto do art. 62 (Lei das Eleições), reproduzido mais adiante, que diz que somente podem votar os eleitores que estiverem registrados nas folhas de votação daquela seção eleitoral.
Ocorre que nas justificativas deles, esquecem-se, convenientemente, de lançar mão de todo o texto do art. 62, que é claro quando diz que essa regra é para se aplicar nas seções que adotarem as urnas eletrônicas. Assim, é de simplicidade franciscana que podem existir seções que não adotarão a urna eletrônica, em conformidade com o art. 82 (Lei das Eleições).
Vale dizer:   a urna eletrônica não é meio exclusivo para o voto - aliás, nunca foi. Como dito antes, a cédula eleitoral continua existindo, conforme se observa pelo texto dos arts. 59,  62 e 82 e seguintes da Lei das Eleições. 
"Art. 59. A votação e a totalização dos votos serão feitas por sistema eletrônico, podendo o Tribunal Superior Eleitoral autorizar, em caráter excepcional, a aplicação das regras fixadas nos arts. 83 a 89”.
(...)
“Art. 62. Nas Seções em que for adotada a urna eletrônica, somente poderão votar eleitores cujos nomes estiverem nas respectivas folhas de votação, não se aplicando a ressalva a que se refere o art. 148, § 1º, da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965–Código Eleitoral“
(...)
"Art. 82. Nas Seções Eleitorais em que não for usado o sistema eletrônico de votação e totalização de votos, serão aplicadas as regras definidas nos arts. 83 a 89 desta Lei e as pertinentes da Lei 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral”.(negritamos)
Caso o TSE não consiga viabilizar, por meio da urna eletrônica, o voto dos cidadãos policiais militares em trânsito (bem como o dos demais cidadãos civis que se encontram nessa condição), que se viabilize o uso da cédula eleitoral, com seus controles adequados, para esses casos. 
Ocorre que o silêncio da Corte Eleitoral pelo uso das cédulas eleitorais tem as impressões digitais de intenso lobbye (nos bastidores) de técnicos da área de informática do TSE. Não se trata apenas de uma simples omissão,  como em principio pode parecer, mas de deliberada, intensa e proativa ação nos bastidores (em afronta e violação à direitos constitucionais políticos e de cidadania),  por conta de mera questão de conveniência técnica, conforme pode ser lido em trecho do absurdo parecer do Deputado Rubens Otoni, Relator do Projeto de Lei PL 6.349/2005 (que trata do voto em trânsito, aprovado por unanimidade no Senado Federal sob o nº PLS 207/2004 e mofando nas gavetas da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados desde 04/2007, há mais de cinco anos):
“A determinação constante do art. 62 da Lei nº 9.504/97 foi adotada por solicitação de técnicos da área de informática do Tribunal Superior Eleitoral que, quando da elaboração do citado diploma legal, esclareceram ao Relator da matéria nesta Casa que o sistema eletrônico de votação não admitia os votos em separado.”
Como não houve, desde aquela data, alteração significativa do sistema eletrônico adotado pelo TSE, o obstáculo persiste, impedindo o voto de qualquer eleitor fora de sua seção eleitoral, como condição básica de segurança da urna de votação.
Nesse sentido o Memorando nº 1.257/05-SI da Secretaria de Informática do Tribunal Superior Eleitoral juntado aos autos por determinação da Presidência desta Casa, cabendo transcrever algumas das diversas razões nele elencadas para manutenção dos parâmetros que levaram à retirada, da legislação em vigor, do voto em trânsito:”(negritamos)
Estranha-se a conduta (por omissão)  dos consultores e assessores da Câmara dos Deputados que assessoraram o Deputado Rubens Otoni, pois apesar do absurdo do caso, qual seja, da ação nefasta dos “técnicos da área de informática do TSE” na supressão de direitos políticos de cidadãos, que ora se revela, a simples leitura do absurdo e contraditório texto do relatório diz que  aquele impedimento (impossibilidade para o voto de eleitores em trânsito) refere-se apenas para o sistema eletrônico de votação, pois nessas seções eleitorais só podem votar “eleitores cujos nomes estiverem nas respectivas folhas de votação”.
É inadmissível que a Constituição (particularmente em se tratando de direitos políticos e de cidadania) se submeta à caprichos e interesses de quem quer que seja. Nessa direção, magnifico voto do Ministro Celso de Mello:
Uma Constituição escrita não configura mera peça jurídica, nem é simples escritura de normatividade e nem pode caracterizar um irrelevante acidente histórico na vida dos povos e das nações. Todos os atos estatais que repugnem a Constituição expõem-se à censura jurídica dos Tribunais, especialmente porque são írritos, nulos e desvestidos de qualquer validade. A Constituição não pode submeter-se à vontade dos poderes constituídos e nem ao império dos fatos e das circunstâncias. A supremacia de que ela se reveste – enquanto for respeitada – constituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e as liberdades não serão jamais ofendidos. Ao Supremo Tribunal Federal incumbe a tarefa, magna e eminente,  de velar por que essa realidade não seja desfigurada.” (ADI 293-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 6-6-90, DJ de 16-4-93) (Grifamos e negritamos).
De forma conveniente, reitere-se, os “técnicos da área de informática do TSE” omitiram, mais uma vez, a possibilidade do voto em trânsito nas seções que não adotarem a urna eletrônica (art. 82, Lei das Eleições).  É de clareza solar que nessas seções eleitorais não há necessidade de folhas de votação,  podendo votar eleitores em trânsito, como os cidadãos policiais militares, por exemplo. 
Portanto, da simples leitura do teor dos artigos 59, 62, 82 e seguintes da lei 9.504/97 verifica-se que não houve qualquer improvável e inconstitucional “retirada, da legislação em vigor, do voto em trânsito”, como dito pelo Deputado Rubens Otoni na parte final do relatório anteriormente citado. Até porque não existe “voto em trânsito”; existe, tão somente, o voto, que é de caráter universal, nos termos do art. 14, caput, da nossa Carta Magna. 
Vale sempre lembrar o teor do art. 5º, XLI, da Constituição prevê que
“a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.
O cerceamento do voto dos cidadãos policiais militares é evidente discriminação; os responsáveis por esse cerceamento estão passíveis de receber as sanções pertinentes.
Em contrapartida ao inconstitucional relatório do Deputado Rubens Otoni, o deputado Paes Landim apresentou voto em contrário, no sentido de que:
O parecer do eminente Relator se assenta em circunstância ocasional, convenientemente ressaltada, exposta nos fundamentos técnicos em memorando da Secretaria de Informática do TSE. Estaríamos, na espécie, como até agora se tem observado, restringindo o direito do sufrágio em nome de uma conveniência de ordem técnica que atende mais à comodidade da Justiça Eleitoral do que à conveniência dos cidadãos. O voto do cidadão em trânsito pode ser tomado, mesmo que seja em separado, dispensando-se inclusive o uso da urna eletrônica, se necessário, condicionada a sua apuração à constatação da regularidade do eleitor junto ao cadastro eleitoral, hoje inteiramente informatizado e de fácil consulta. Os votos assim recolhidos seriam remetidos a Juntas apuradoras especiais da Justiça Eleitoral que garantiria o sigilo do voto e a devolução aos respectivos títulos às Zonas de origem.(grifamos e negritamos)
Nesse sentido, outra magistral lição do Ministro Celso de Mello:
A defesa da Constituição não se expõe, nem deve submeter-se, a qualquer juízo de oportunidade ou de conveniência, muito menos a avaliações discricionárias fundadas em razões de pragmatismo governamental. A relação do Poder e de seus agentes, com a Constituição, há de ser, necessariamente, uma relação de respeito. Se, em determinado momento histórico, circunstâncias de fato ou de direito reclamarem a alteração da Constituição, em ordem a conferir-lhe um sentido de maior contemporaneidade, para ajustá-la, desse modo, às novas exigências ditadas por necessidades políticas, sociais ou econômicas, impor-se-á a prévia modificação do texto da Lei Fundamental, com estrita observância das limitações e do processo de reforma estabelecidos na própria Carta Política. A defesa da Constituição da República representa o encargo mais relevante do Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal – que é o guardião da Constituição, por expressa delegação do Poder Constituinte – não pode renunciar ao exercício desse encargo, pois, se a Suprema Corte falhar no desempenho da gravíssima atribuição que lhe foi outorgada, a integridade do sistema político, a proteção das liberdades públicas, a estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a segurança das relações jurídicas e a legitimidade das instituições da República restarão profundamente comprometidas. O inaceitável desprezo pela Constituição não pode converter-se em prática governamental consentida. Ao menos, enquanto houver um Poder Judiciário independente e consciente de sua alta responsabilidade política, social e jurídico-institucional." (ADI 2.010-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-9-99, DJ de 12-4-02) (grifamos e negritamos)
Os equívocos perpetrados pelo TSE nesse sentido, certamente influenciados por seus técnicos chegaram às raias do absurdo, quando, por ocasião da aprovação da Lei 12.034/09 (“reforma eleitoral”), o TSE divulgou a seguinte notícia, informando da ação do Presidente da própria Corte Eleitoral em tentar o veto presidencial para o voto em trânsito (para Presidente da República nas capitais), que acabara de ser aprovado pelo Congresso Nacional (3)    
“Na noite desta sexta-feira (25), o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Ayres Britto, conversou com o ministro da Justiça, Tarso Genro, para manifestar a sua expectativa do veto presidencial a dois pontos do projeto de lei que altera a legislação eleitoral: o voto impresso e o voto em trânsito.
"Conversei com o ministro Tarso Genro dando ciência da preocupação da Justiça Eleitoral com esses dois específicos temas que reputamos prejudiciais ao bom funcionamento do sistema eleitoral brasileiro. Manifestei expectativa de que o presidente da República, estudando os temas, venha a vetá-los.
São esses dois pontos do projeto de lei que mais nos trazem dificuldades operacionais irremovíveis”. (...)  Sobre o voto em trânsito, a dificuldade de adaptação seria prática, uma vez que para permitir que o eleitor brasileiro vote quando não estiver em seu domicílio eleitoral seria exigido que ele se cadastrasse pelo menos cinco meses antes. Em outras palavras, seria necessário prever com antecedência a viagem para então se cadastrar e poder votar. Sem o cadastramento prévio do eleitor para que o nome dele conste no programa da urna eletrônica do local previsto para votar, o sistema de votação teria que ser colocado em rede, o que traria riscos para a segurança do processo eleitoral.” (negritamos e grifamos)
Isso porque a Lei nº 12.034/2009 aprovada pelo Congresso Nacional trazia (como trouxe) em seu art. 6º, alteração na Lei nº 4.737/65 (Código Eleitoral), acrescido agora pelo art. 233-A, assegurando aos eleitores em trânsito o direito de voto nas eleições para Presidente e Vice-Presidente da República, em urnas especialmente instaladas “nas capitais dos Estados”.  Por justiça, vale dizer que esse artigo da Lei 12.034/09 é mera reprodução da primeira parte do Projeto de Lei - PL 6.349/2005, que trata da implementação gradual do voto em trânsito para todos os cargos, iniciando-se justamente pelas eleições aos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República.  Entretanto o PL 6.349/2005 não impôs qualquer condição em relação ao local onde o eleitor em trânsito deverá estar ou votar, ao contrário da Lei 12.034/09, que delimitou o voto em trânsito apenas nas capitais.
A respeito da restrição do voto em trânsito apenas nas capitais, e somente para Presidente e Vice-Presidente da República, introduzida na Lei 12.034/09, é relevante lembrar que o autor do PL 6.349/2005, Senador Valdir Raupp, tentou eliminar a restrição para o voto em trânsito apenas nas capitais, mediante a apresentação da Emenda 47 (acesso in http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/64816.pdf) na tentativa de resgatar na integridade a intenção do referido Projeto de Lei, ou seja, o voto em trânsito para todos os eleitores em trânsito e para todos os cargos.  
Percebe-se claramente que o próprio Presidente do TSE, na ocasião o Ministro Carlos Ayres Britto, homem extremamente digno e honrado, indiscutivelmente um dos maiores juristas deste País, foi induzido a sério equivoco por técnicos da área de informática. Isso por conta da leitura do próprio texto divulgado no site do TSE, com termos específicos (“impressões digitais”) da área de TI, como por exemplo: “...programa da urna eletrônica...”, “...sistema de votação teria que ser colocado em rede...”.
Mais uma vez,  conveniente omissão da aplicabilidade do art. 82 e seguintes da  Lei 9.504/97 (cédula eleitoral) para o acolhimento do “voto em trânsito”.
O Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva não vetou e ainda apoiou a medida, conforme se vê em “O Presidente Responde”, de 05.01.2010, em resposta a um leitor, caminhoneiro, que pedia o voto em trânsito,  que segundo ele “poderia contribuir para melhorar as escolhas da população nas eleições
“Presidente Lula – Sua reivindicação é mais do que justa. E eu fico muito feliz em informar que os eleitores já poderão utilizar o voto em trânsito a partir da eleição para Presidente deste ano. A novidade consta da Lei nº 12.034, que eu sancionei em setembro de 2009, depois de aprovada pelo Congresso. Existem ainda vários projetos sobre o assunto tramitando na Câmara dos Deputados e no Senado. Cito, por exemplo, o Projeto de Lei 6349/05, do senador Valdir Raupp, que prevê a instituição gradual do voto em trânsito para presidente, governadores, deputados, senadores, prefeitos e vereadores. O fato concreto é que nas eleições de 2006, dos quase 126 milhões de eleitores cadastrados, 21 milhões não compareceram às urnas. Boa parte é de eleitores que moram em locais diferentes do seu domicilio eleitoral ou que estavam em viagem de trabalho. Entre eles, caminhoneiros como você. Eu estou convencido de que o Congresso encontrará a melhor solução para a questão. Afinal, quanto maior for a participação dos eleitores, maior legitimidade terão os eleitos” (negritamos)
No MI 2541, nenhuma providência foi tomada pelo Supremo Tribunal Federal, implicando no fato de que, mais uma vez, policiais militares do Rio Grande do Norte (e certamente, de todos os demais Estados) não votaram por se encontrarem a serviço – da própria (IN) justiça eleitoral, nas eleições de 2010. Foram cerceados nos seus direitos políticos e de cidadania. 
Por essa razão, o excelente Manual do Policial Militar, para o Pleito Eleitoral de 2008, elaborado pela Policia Militar do Estado do Mato Grosso (acesso in http://pt.scribd.com/doc/6305710/Manual), traz na sua “apresentação” o texto:
Nobres policiais militares.
O voto eleitoral é o momento em que cada eleitor é convocado e tem o poder de exercer sua cidadania. Nesse momento cada cidadão precisa saber usar esse poder, com liberdade e consciência, pois voto além de ser direito, é direito humano fundamental para o exercício da cidadania. É por isso que participar do processo eleitoral se torna exercício de cidadania a partir do momento em que cada cidadão, quer seja civil ou policial militar reconheça, com responsabilidade política e social, que o voto é um dos instrumentos que pode influenciar o destino do Brasil e consequentemente, melhorar a vida de todos nós.
É nesse contexto que se destaca e justifica a importância do serviço policial durante o pleito eleitoral, pois a defesa do interesse coletivo dos cidadãos, enquanto eleitores, se converte em dever para os cidadãos policiais militares, principalmente daqueles que se encontram de serviço no dia do pleito eleitoral e, geralmente, acabam por sacrificar  o seu direito de voto em favor do interesse da sociedade. (negritamos).”
Sem dúvida alguma, esse Manual (desconhecemos se foi atualizado para as eleições subsequentes) deveria ser leitura obrigatória por todos os policiais militares do Brasil, com a única ressalva de que o comando da Policia Militar do Estado Mato Grosso (e respectivas associações) deveriam se esforçar para assegurar o voto, para os seus policiais militares, nos termos do art. 82 da Lei das Eleições.
Paradoxalmente, o TSE não economizou esforços para viabilizar o voto para os presos, cidadãos que se encontram nessa condição por violarem a lei, em maior ou menor grau (pouco importando se são provisórios ou não, se processos com trânsito em julgado ou não).  Muitos desses presos foram detidos ou apreendidos por cidadãos policiais militares, em cumprimento da Lei e em defesa da sociedade.
Nesse esforço pelo voto do preso, instituições somaram-se ao TSE, como por  exemplo o CNJ, a Associação Juízes para a Democracia, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Conselho Nacional do Ministério Público, a Pastoral Carcerária Nacional, o Instituto de Acesso à Justiça,  a Associação dos Magistrados Brasileiros.
Assim, os idos de 2009 e 2010 apontam grande mobilização na defesa do voto para os presos. Audiências públicas aconteceram (4), patrocinadas pelo próprio TSE.  Debates intensos aconteceram, envolvendo setores da sociedade civil, mesma sociedade civil que reclama de mais qualidade e maior segurança por parte dos policiais militares. Até uma Resolução do TSE (5) foi editada, especificamente para o voto dos presos: a Resolução 23.219 do TSE, de 02.03.2010. Não consta que qualquer uma daquelas nobres instituições, zelosas da Democracia, tenham defendido o voto para os policiais militares em serviço – e não foi por falta de informação delas.
Ressalte-se: o mesmo TSE que aprovou a Resolução para o voto dos presos, negou o voto para os policiais militares em serviço, meses depois, em Petição da ASPRA/RN (6), negativa feita pelo Ministro Relator Arnaldo Versiani.
São evidentes as contradições entre ambos os casos (voto dos presos X voto dos policiais militares), envolvendo mesmos direitos consagrados pela Constituição. A Comissão formada para a concretização do voto para os presos, naquela ocasião, foi presidida pelo mesmo ministro que meses depois negou o voto aos policiais militares, o Ministro Arnaldo Versiani, bastante condescendente e justo com os presos (que inclusive assistiram programa eleitoral pela TV), porém implacável e injusto com os policiais militares.   
É a lógica do absurdo. Policias Militares em serviço da própria (IN) justiça eleitoral não podem votar. Presos, podem. Não por acaso, e nessa direção, o deputado estadual de São Paulo, Olímpio Gomes, escreveu texto (7) denominado “Bandido pode votar. Policial não pode?”. Na ocasião, o Deputado Olímpio Gomes apresentou a Moção 28/2010 para que a ALESP oficiasse o TSE no sentido de que a Corte Eleitoral tomasse as devidas providencias para viabilizar o voto para os policiais militares. Aprovada a moção (8), o Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo encaminhou o ofício SGP nº 7127/2010 para o Presidente do TSE.
Apenas para fins de amor ao debate, faremos uma observação em relação à efetivação do voto para os presos, para demonstrar – mais uma vez - a subserviência inaceitável do processo eleitoral à conveniências de ordens técnicas.  Foi exigido que os presos provisórios se alistassem ou transferissem seus títulos até o dia 05 de maio daquele ano (2010), para seção eleitoral criada para esse fim, porém subordinando-se esse tipo de eleição (mais uma vez) à panaceia denominada “urna eletrônica”, excluindo, de plano, os presos após aquela data.    
Ressalte-se que não se está criticando a urna eletrônica ou o voto dos presos, ainda que esse imponha um custo elevado (e por ora, inconveniente) para o Estado. Ao contrário, pensamos que a urna eletrônica é um dos grandes avanços das eleições brasileiras, modelo para o mundo.  O que aqui se critica é que a urna eletrônica tornou-se  um fim em si mesma, em vez de se constituir em mais um meio – o principal - para a viabilização do voto, ao lado da cédula eleitoral.
Quanto ao voto para os presos provisórios, se eles têm direitos políticos e de cidadania (e têm mesmo) e o Estado deve atuar para concretizar esses direitos, com muito mais razão o Estado deve atuar para concretizar os direitos dos cidadãos policiais militares que, na maior parte das vezes, foram os responsáveis pela prisão ou apreensão desses cidadãos, não porque eles foram à missa, ao culto ou numa reunião de pais e mestres, mas porque violaram a lei, desrespeitando a sociedade da qual fazem parte.   
Nas eleições de 2012 que se aproximam o Supremo Tribunal Federal terá a oportunidade de restabelecer o direito de votar de todos os policiais militares em serviço, direito esse “cassado” por omissão do TSE, pelos fatos e circunstâncias anteriormente narradas. Os policiais militares têm o direito de escolher os seus representantes, direito esse plasmado no Primeiro Princípio Fundamental da republica (art. 1º, Parágrafo único).
Os policiais militares jamais renunciaram ao voto. Porque se renunciassem, não estariam em condições de defender a própria sociedade, segundo Rui Barbosa:
Não vos esqueçais, pois renunciando ao voto, não fazendo questão do voto, consentindo que vos arrebatem o voto, deixando, assim, que vos pupilem com o governo que quiserem, estareis como se, no intuito de poupardes a vida, não ousásseis defender o teto, a fortuna, a honra e a prole, o futuro dela, o vosso, o da pátria, tudo o por que a vida vale de se viver, tudo se vai, quando os indivíduos supõem salvar as suas franquias dos homens, imolando as suas garantias de cidadãos ”. “A Conferencia de Alagoinhas”, Obras  Completas de Rui Barbosa, v.46, t.3, p. 47 e p. 49, 1919)
Considerando que o novo presidente do STF propôs, já em sua posse, um pacto “pró Constituição”, e o Presidente da OAB afirmou que o novo Presidente da Suprema Corte “carrega nas veias o DNA das liberdades, das garantias fundamentais dos cidadãos”, parece-nos que o julgamento do MI 2541 (ao lado do MI 1767, (9) cujo relator é o Ministro marco Aurélio) consiste-se em momento ideal e oportuno para que o Supremo Tribunal Federal demonstre para a sociedade que, efetivamente, é o Guardião da Constituição.
Essa demonstração há de ser na pratica; deve participar ativamente (não apenas na teoria) do pacto que ele mesmo propôs, iniciando pela defesa magna do direito de sufrágio, do voto, do poder indelegável do povo na escolha de seus representantes, inseridos nas liberdades e garantias fundamentais, clausula pétreas da nossa Carta Magna. Enfim, pela defesa do voto dos cidadãos, dos cidadãos policiais militares em serviço, no dia das eleições.   
Não é a sociedade que deve servir à Justiça, mas, sim, é a Justiça que deve servir à sociedade.

Referências no texto
(1)  STF
(2)  STF
(3)    TSE
(4)
(5)
(6)
(7)
(8)
(9)
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=112546&caixaBusca=N

 Fonte: 

CÓRDOVA JÚNIOR, Milton. O direito do voto dos policiais militares em serviço, uma omissão inconstitucional do Tribunal Superior Eleitoral - TSE. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 21 abr. 2012. Disponível em: . Acesso em: 24 abr. 2012.

1 comentários:

Bandido pode votar. Policial militar em serviço não pode. Só pode ser brincadeira, ou uma daquelas "pegadinhas do Faustão". A inversão de valores morais no Brasil - a começar pela própria (IN) justiça eleitoral é flagrante. Incrivel é a inépcia dos "direitos (de) sumanos", da OAB, do Ministério Público, da AJUFE, da AMAGIS, da Igreja, do escambau, com relação ao assunto.

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